quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Caminho de Santiago 2016 - Mós a Caldas de Reis

4o dia, já só falta hoje e amanhã, a maior parte já ficou para trás.
Hoje foi o dia mais difícil, é o acumular de tudo até agora.
O levantar da cama custa sempre, com o corpo já todo massacrado, uma ligeira dor de costas, os dois tornozelos a doer um pouco e os dedos do pé esquerdo com algumas bolhas. É difícil resistir à tentação da cama, mas o desafio espera-me, tenho de continuar.
À saída do albergue, com uma barra de cereais na mão para dar a dose de açúcar matinal, comecei logo a subir e assim se manteve durante uns 3 quilómetros. Com o pé com duas meias e as sapatilhas de trail, esperava que talvez os pés aguentassem melhor o dia.
No plano conseguia andar a bom ritmo, mesmo com o pé esquerdo magoado, ia compensando com os braços, mas nas descidas tudo mudava. Para além da bolha no mindinho, comecei a sentir um grande desconforto nos dedos do meio do pé, que não percebi bem se seria bolha ou não. Ocasionalmente parava um pouco para ajeitar o pé e ver se estava tudo bem, mas o desconforto e a dor continuou. Para piorar, tudo o que subi ontem e hoje ao sair do albergue, desci no espaço de dois quilómetros antes de chegar a Redondela. Portanto, descidas bem acentuadas e que nunca mais acabavam, a ter de parar a cada dois minutos para ajeitar o pé e com os batons a tentar amortecer a maior parte do impacto.
Assim que cheguei a zona plana, com recurso aos braços para auxiliar, impus um ritmo mais elevado que mantive até entrar na cidade de Redondela. Aí, parei para comer algo mais substancial e descansar um pouco as bolhas, apenas 1h30 depois de ter começado.
Não quis estar a tirar a sapatilha para avaliar, não iria adiantar nada olhar e o tirar a pressão poderia implicar a dilatação das bolhas e do pé e não conseguir voltar a calçar depois. É serrar os dentes e continuar, já falta pouco!
Assim que recomecei tentei andar rápido, a distância hoje ainda seria muita e não tinha muito tempo a perder. Passei outra vez pelos portugueses de ontem, que tinham ficado em Redondela. Umas pequena troca de palavras, algumas de ânimo, e segui caminho.
A maior subida apareceu logo depois. Mesmo esperando e sabendo o que seria, continua a ser algo bastante difícil. Tentei fazê-la o mais rápido possível, a utilizar a beira da estrada onde os pés e os batons conseguiriam ter melhor tração. Culpa minha por querer ser rápido, estava distraído e acabei por me perder, subindo demasiado. Na volta para trás consegui perder-me outra vez, nem repetir o caminho no inverso consigo fazer direito. Apesar de pagar por isso, fui forçado a ligar os dados móveis e abrir o GoogleMaps, de maneira a perceber o que tinha feito mal e voltar ao caminho correto.
Assim que o encontrei, impus um ritmo forte, estava chateado por me ter perdido e ter feito mais 2km desnecessariamente. Os pés já não me doíam, as bolhas já não incomodavam, apenas queria andar e recuperar o tempo perdido.
Enquanto ia andando mais uma coisa aconteceu para me chatear ainda mais: comecei a sentir uma dor no pé direito. Mas não era dor de bolha, parecia que a unha de um dedo estava agarrada à meia, dando sensação de a unha estar a ser arrancada. Sentei-me, tirei as meias (visto que tenho duas calçadas em cada pé xD), ajeitei as de dentro em contacto com o pé e segui caminho. Durante as descidas os dois pés chateavam-me, mas no plano e nas subidas conseguia andar a bom ritmo, sempre com os braços a puxar bem.
O caminho passava pela floresta, com algumas subidas mais complicadas, onde passava por mais gente um pouco mais lenta. Não tinha a certeza quanto teria de fazer até ter visto o sinal da distância que faltaria até Pontevedra, seriam 30 no total até lá mais 23 até Caldas de Reis, o dia de hoje foi puxado mas deixa menos para fazer amanhã.
À saída da parte de montanha tenho uma escolha a fazer: faço a parte final até Pontevedra pela estrada ou a acompanhar um riacho, pelo meio de uma floresta? Por um lado, a beleza da floresta é incrível, mas já o conhecia do ano passado e pela estrada seria mais rápido, apesar de mais entediante. Escolhi a estrada, quero fazer o Caminho, mas já tenho bastantes quilómetros para fazer em cada dia e não me quero demorar demasiado.
Assim que cheguei a Pontevedra o albergue ainda estava fechado, tinha pensado lá ficar um pouco a descansar na entrada. Fui para um café ao lado comer qualquer coisa e descansar sentado. Acabei por ficar mais tempo que inicialmente previsto, mas acabei por me por ao caminho, com energia para a distância que me separaria de Caldas de areia e do descanso de hoje.
A energia estava lá, mas desapareceu tão rápido que fiquei parvo. Assim que coloquei os pés no chão, depois de terem estado pendurados a descansar de um banco alto, as dores foram terríveis, nem conseguia andar direito. Os primeiros 3 quilómetros foram penosos e lentos, a sentir o pé direito ensopado, alguma bolha tinha rebentado. Foi o tempo de sair de Pontevedra e começar a estrada de montanha, altura em que me habituei a dor e com grande auxilio dos braços com os batons consegui ir andando.
Ao fim de 10km, com partes a subir a montanha, parei no café onde no ano passado tinha tomado pequeno almoço com o Rui, Dan e a Marta. Estava igual, com a mesma senhora a servir. Bebi um sumo de laranja, comi umas barras das minhas e com alguma conversa com os senhores que lá estavam segui caminho, ainda faltavam 12km e a vontade seria ficar ali se me deixasse descansar demasiado tempo.
Os braços já estavam cansados do esforço, as mãos já não conseguiam agarrar com tanta força as pegas e ia tentando variantes de modo de segurar. Sabia que ia demorar, sentia os quilómetros a passarem muito penosamente, apenas pensava na dor que tinha no pé esquerdo e a sentir a bolha no mindinho do pé direito.
Neste momento tomei a decisão de que não valia a pena pensar nisso, ontem também tinha sofrido no final até Mós, mas já fazia parte do passado. Portanto, deixei de olhar para a distância no relógio, nem quando apitava a cada quilómetro, deixei de olhar para os marcos do caminho, aqueles que indicam a distância que falta até Santiago, e, acima de tudo, pus-me a andar decidido, a bom ritmo e com os braços a impor a velocidade. Quanto mais rápido andar, mais passadas vou dar, menos tempo de contacto com o solo tenho, menos tempo a fazer pressão nas bolhas, menos dor. Além disso, já me tinha habituado a dor e já não sentia, era sempre a andar para a frente e nem para tirar fotografias parava, já não conseguia pensar nisso.
Assim que cheguei a Caldas de Reis encaminhei-me diretamente para o albergue, só queria sentar-me e tirar as sapatilhas. Foi preciso passar quase até à saída (é uma cidade bastante pequena) para chegar ao albergue oficial, para descobrir que já estava cheio e tinha de voltar tudo para trás para o opcional, já em grande sofrimento depois de pensar que já tinha chegado.
O momento de tirar as sapatilhas foi quase assustador. Comecei pelo pé direito, tirei uma meia de cada vez e verifiquei que tinha uma pequena quantidade de sangue na unha onde tinha sentido a chatear. Ficou o pior para depois, enquanto tirava lentamente as meias, com algum receio de ficarem coladas a alguma coisa. O mindinho, tal como ontem, tinha uma bolha, mas o pior eram os dois dedos seguintes: colados um ao outro e com restos do que foi uma bolha de sangue e que tinha rebentado.
No banho tudo melhorou, as peles soltas saíram e limpou o sangue todo. Na lavagem da roupa reparei na quantidade de sangue que saiu das meias do pé esquerdo, ao menos tinham feito o seu trabalho que absorver qualquer "humidade", deixando o pé seco.
Descobri que não só sou mortal como tenho um limite bem definido.

O dia de hoje contou com cerca de 52km a andar, a contar com os dois em que tive perdido, num total de quase 9 horas. 60 mil passos e 5 mil kcal foi o necessário para completar a etapa de hoje.

Amanhã serão 43 até Santiago, passando por Padrón aos 18km. Conto acordar às 4h, para ter tempo de lá chegar, a contar com eventualidades dos dedos e das bolhas, e ter tempo de ir buscar a Compostela antes de ir tentar apanhar a camioneta para o Porto.

Está quase!

Sem comentários:

Enviar um comentário